domingo, 13 de junho de 2010

O papel do testemunho em Antígona e Édipo Rei de Sófocles



A propósito de uma enquete da comunidade "Literatura - Teoria e Crítica" do Orkut reli duas das peças de Sófocles: Antígona e Édipo Rei. Nelas, por alguma feliz coincidência, encontrei um elemento presente na historiografia e que me interessaria bastante aprofundar o seu sentido, que é o testemunho. Gostaria de ressaltar especialmente dois tipos de testemunho, que me pareceram em maior destaque em cada obra acima referida: o testemunho ocular e o testemunho auditivo, que poderia ser traduzido nas expressões "afirmo porque vi" e "afirmo porque ouvi dizer".

Primeiramente, um exemplo do testemunho ocular retirado da peça Antígona. Como sabemos, Antígona é filha de Édipo, o rei banido da cidade de Tebas após descobrir-se assassino do pai Laio e esposo a própria mãe, Jocasta. Porém, a sina de acontecimentos trágicos não findara com o banimento de Édipo, pois ao retornar a cidade, Antígona descobre que seus dois irmãos (Etéocles e Polinice) haviam morrido um pelas mãos do outro. Creonte, o rei de Tebas ordenara, então, que Etéocles fosse sepultado com todas as honras dadas àqueles que se dedicaram à defesa da cidade, enquanto que à Polidice, que ficasse insepulto a mercê de cães e aves carniceiras. Antígona, porém, reconhece nesta decisão do rei uma afronta a lei divina e que era seu dever sepultar o irmão, mesmo que pagando com a própria vida por sua desobediência.

O exemplo de testemunho ocular desta peça é dado pelos soldados que haviam sido designados por Creonte para impedir que qualquer pessoa se aproximasse do corpo de Polidice, a fim de sepultá-lo. Eis, então, que Antígona consegue burlar a segurança e promove as libações e o enterro do corpo irmão, sendo logo depois levada a presença do rei, para que ele profira a sentença fatal. É interessante notar que no diálogo entre o soldado que dará a notícia do sepultamento e o rei, este último em momento algum parece duvidar de seu testemunho. Talvez porque o soldado estava de fato imbuído da função de vigiar o corpo e, por outro lado, o próprio rei não estava presente no momento do sepultamento contrário a sua ordem e, portanto, não seria capaz de ele mesmo ter visto o acontecimento. Assim, dois elementos sobre o testemunho se apresentam neste primeiro exemplo: o primeiro, aquele que testemunha vê diretamente o acontecimento e depois o relata a um terceiro. E, segundo, aquele que fala, pelo menos no exemplo, é ouvido com a presunção de que fala a verdade. Presunção esta confirmada pela declaração de Antígona, confirmando o relato do soldado.

O segundo exemplo é retirado da peça "Édipo Rei" também de Sófocles e diz respeito ao testemunho auditivo. Esta história ocorre antes dos fatos narrados acima, provenientes da peça "Antígona", quando Édipo ainda era o rei de Tebas e não se sabia assassino do pai e esposo da mãe. Nesta ocasião, Tebas passava por terríveis acontecimentos, como a seca de suas plantações e a morte de mães ao dar a luz aos seus filhos. Intrigados com esta série de acontecimentos ruins, os cidadãos procuram o seu rei, para que ele encontre uma solução. Eis que Édipo, antecipando-se, já havia mandado Creonte ao templo de Apolo, para consultar o oráculo. Em seu retorno, Creonte afirma que a cidade passa por tais calamidades em virtude do assassinato de Laio e que apenas depois de descoberto o assassino a paz voltaria a reinar em Tebas.

O exemplo, neste caso, pode ser retirado de duas partes da peça. Tanto das palavras de Creonte, que estivera efetivamente no templo de Apolo e será capaz, através de suas palavras, de narrar a um terceiro, não o que viu, pois não testemunhara com seus olhos o assassinato de Laio, mas antes as palavras do oráculo. E, por outro lado, do próprio pedido de Édipo, de que os cidadãos que tenham algo a dizer sobre o assassinato, que se manifestem e tragam para o rei as informações necessárias para que o mesmo possa corrigir com justiça a morte que inspirava tantos males para a cidade. Nestes dois casos, também podemos extrair alguns elementos importantes do testemunho. Primeiro, que o testemunho auditivo, não é um acesso direto aos acontecimentos, e sim um contato indireto, através das palavras de outrem (mesmo que no primeiro exemplo explicitado, estejamos tratando das palavras de um deus, ditas através do oráculo). E, segundo, a verdade dos fatos, exceto no primeiro exemplo em que parece-me que se adotava a mesma presunção de verdade do testemunho ocular, não é dada diretamente, pois será ainda objeto de investigação.

Por fim, gostaria de fazer algumas comparações entre os elementos apresentados na análise do testemunho ocular e na do testemunho auditivo. Em ambos os casos, temos a apreensão dos eventos através dos sentidos, respectivamente, a visão e a audição. Por algum motivo que me escapa totalmente, parece-me que o testemunho visual apresenta um conteúdo de verdade mais evidente do que o testemunho auditivo, exceto, como explicitei, no caso do oráculo, em que há também presunção de verdade. Digo que o motivo de tal diferença me escapa, pois penso nas críticas epistemológicas ao empirismo, que, de certo modo, colocaram em descrédito a certeza naquilo que advém dos sentidos, críticas que podem ser lidas em filósofos tais como Descartes e Hume.

A segunda comparação que gostaria de explicitar decorre, de certo modo, desta posição de desconfiança em relação aos sentidos, pois tanto no caso do testemunho ocular, como no caso do auditivo, decorre sempre a necessidade de confirmação. No caso do testemunho do soldado, pois mais que possamos considerá-lo mais direto, pois ele viu o que se passou, podemos afirmar que a certeza se apresentou ao rei, quando Antígona confirmara que, de fato, enterrara o seu irmão. Por outro lado, no caso do testemunho do assassinato de Laio, houve uma primeira confirmação, ou seja, de que ocorrera um assassinato e que o autor do crime permanecia em Tebas, porém a informação seguinte, de quem era efetivamente o assassino, teria que ser confirmada a partir do testemunho dos cidadãos.

Apesar destas diferenças e sutilezas, parece-me que restaria pelo menos uma semelhança entre os testemunhos visual e auditivo. Ambos estão sujeitos a esta confirmação, que é, no entanto, indireta, pois apenas se mostra pela proferimento das mesmas informações sobre eventos, só que dados por diferentes pessoas. Caberia, então, pensar na importância deste elemento quantitativo (número de testemunhas) e não apenas qualitativo (conteúdo das afirmações) para que seja constituído publicamente a verdade em relação a determinado fato.