domingo, 31 de agosto de 2008

Filosofia e História

Na obra "A Filosofia na História" publicada em conjunto com outros autores, Charles Taylor apresenta no primeiro capítulo o que considera ser sua argumentação a favor da relação entre ciência e história. Inicia-o afirmando que a filosofia é "uma atividade que visa essencialmente, entre outras coisas, um exame do que fazemos, pensamos, acreditamos e supomos", levando ao claro reconhecimento de nossas razões, evidenciando alternativas ou nos fazendo dar conta de nossas ações, pensamentos ou suposições.


Desta maneira, fazer história da filosofia seria o modo de recuperar as articulações anteriores que caíram no esquecimento. Neste ponto, toma como exemplo o chamado "modelo epistemológico", que possui noções fundamentais segundo as quais nosso saber sobre o mundo são representações formativas de uma "realidade externa". Segundo Taylor, Quine utiliza este modelo e ele está presente tanto na ciência como em outras formas de saber cotidiano. Seu corolário é a idéia de que é possível analisar o saber e a compreensão que temos dos demais de acordo com o mesmo modelo representacional (por exemplo, poderia-se aclarar um dialeto falado por outro o descrevendo em termos de uma teoria que sustento sobre a pessoa e sobre o significado que ela atribui às palavras).


Os que criticam este modelo epistemológico consideram impossível um diálogo ser analisado com base em uma teoría que cada qual mantém sobre o outro. Assim, o desafio a que têm que responder é o de mostrar que este modelo é "uma interpretação possível entre outras, e não a única imagem concebível da mente no mundo". A reconstrução da crítica feita por Descartes ao modelo aristotélico-escolástico seria um exemplo de análise criativa que, segundo Taylor, é a essência da filosofia.


Assim, para sair da prisão epistemológica, não a vendo mais como um mapa que informa a obviedade da relação entre mente e mundo, é preciso reconhecê-la como uma opção entre outras. O primeiro passo desta tarefa é o de saber as formulações em que o modelo epistemológico se funda e como se pode chegar a aderir a ele a partir de uma nova análise criativa. Taylor ressalta ainda que é necessário restituir-lhe o passado e ter a capacidade de visualizar outras alternativas, o que implica não apenas viver as práticas, mas também saber como tais práticas chegaram a existência, encerrando uma certa visão das coisas. Conclui afirmando que "nos livrarmos do pressuposto do caráter único do modelo exige que deixemos claro suas origens", sendo esta a razão de a filosofia ser eminentemente histórica.


English version - Philosophy and History


In the workmanship "The Philosophy in the History" published with other authors, Charles Taylor presents in the first chapter what he considers to be his argument in favor of the relation between science and history. He initiates it affirming that philosophy is "an activity that aims essentially, among others things, an examination of what we make, we think, we believe and supose", leading to make clear the recognition of our reasons, evidencing alternative or making us considerate our actions, thoughts or assumptions.


In this way, to make history of philosophy would be the way to recoup the previous joints that had been forgotten. At this point, he uses as an example what he calls "epistemic model", that possess a slight knowledge which defines that world's knowledge are formative representations of one "external reality". According to Taylor, Quine uses this model and it is present in such a way in science as in other forms of daily knowledge. Its corollary is the idea that it is possible to analyze knowing and understanding the others in accordance with of the same representative model (for example, it could clarify a dialect said by another person describing this words in terms of a theory that sustenance on the person and the meaning that it attributes to words).


The ones that criticizes this epistemic model consider impossible that a dialogue could be analyzed on the basis of a theory that each one keeps on the other. Thus, the challenge that has that to be answered is to show that this model is "a possible interpretation among others, and not the only conceivable image of the mind in the world". The reconstruction of the critical one made by Discartes to the aristotelian-scholastic model would be an example of creative analysis that, according to Taylor, is the essence of philosophy.


Thus, to leave the epistemic arrest, not seeing it more as a map that informs "obvious" relation between mind and world, it is necessary to recognize it as an option among others. The first step of this task is to know the formularizations where the epistemic model establishes and how one can come to adhere from the point of view of a new creative analysis. Taylor makes clear need to restitute the past and to have the capacity to visualize other alternatives, what does not implie only to live the practical life, but also to know how such practice had become exist, locking up a certain vision of things. He concludes affirming that "exempting ourselves about the supposed single character of a model demands that we clarilfy the origins of it", what is the main reason because philosophy is eminently historical.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Humano, demasiado humano I: ou quem são os espíritos livres


Em prefácio de 1886, Nietzsche afirma que suas obras O nascimento da tragédia e Para além do bem e do mal foram considaradas por alguns como laços e redes para pássaros incautos. Admite que a suspeita profunda tem conseqüências como as angústias do isolamento e que em sua própria busca de auto-restabelecimento, acreditou que não era o único a se dedicar a suspeita e a arte. Deste modo, os "espíritos livres" são até certo ponto criações de sua arte, e a eles dirige a obra Humano, demasiado humano. Apesar de os mesmos ainda não existirem, fazem companhia a Nietzsche, que, ao mesmo tempo, escreve sua obra por antecipação, pois os vê surgir gradualmente na Europa.


Nietzsche descreve o espírito livre como um antigo prisioneiro, cada qual em seu canto e pilar, sendo reconhecidos por sua gratidão a tudo que parece merecer ser venerado. Seu livramento, no entanto, é súbito como um tremor de terra e a saúde que pode adivir do isolamento doentil provocado pela primeira e problemática vitória não prescinde da doença: a saúde será caracterizada exatamente pelo autodomínio e pela disciplina do coração, que permite os caminhos para muitos e opostos modos de pensar. Inicialmente, impulso e ímpeto reinam e se tornam senhores:


"Um súbito pavor e premonição contra aquilo que ele amava, um relâmpago de desprezo contra aquilo que para ele se chamava "dever", um desejo tumultuoso, arbitrário, vulcânico, de andança, estrangeiro, estranhamento, resfriamento, sobriedade, enregelamento, um ódio ao amor, talvez um gesto e um olhar iconoclastas para trás, para ali onde ele até então rezara e amara, talvez uma brasa de vergonha daquilo que acaba de fazer e, ao mesmo tempo, um regozijo por tê-lo feito, um arrepio bêbado, interno, jubilante, em que se denuncia uma vitória - uma vitória? sobre o quê? sobre quem? uma enigmática, interrogativa, problemática vitória, mas sempre a primeira vitória: - eis o que há de ruim e de doloroso na história do grande livramento".


Mesmo não assumindo uma concordância direta com todas as teses de Nietzsche, parece-me interessante relacionar a descrição que faz do "espírito livre" com o que se constuma denominar espírito crítico. A crítica, sempre se apoia em algo que lhe é anterior, seja um livro, um pensamento ou uma ação, e no momento mesmo em que nos arriscamos a fazê-la ela se mostra como uma vitória, pois reafirma nossa autonomia de pensamento.


English version


In preface of 1886, Nietzsche it says his works The birth of the tragedy and Beyond good and evil had been considered by some as bows and nets for innocent birds. He admits that the deep suspicion has consequences as anguish of isolation and that in its proper search of auto-reestablishment, he believed that it was not the only one that dedicates himself to suspicion and art. In this way, "free spirits" are kinds of creations of his art, and he dedicates to them his Human, too much human. Although the same ones do not yet exist, they make company to Nietzsche, and he, at the same time, writes its workmanship for anticipation, therefore he sees them appearing gradually in Europe.


Nietzsche describes the free spirit as one old prisoner, each one in its sings and pillar, being recognized for its gratitude to what seems to deserve to be venerated. Their release, however, is sudden as a land tremor and the health that can become from this sick isolation provoked by the first and problematic victory does not exist without the illness: the health will be characterized accurately by self domain and for the discipline of the heart, that allows to access for many and opposing ways of thinking. Initially, impulse and impetus reign and become the owner:


"Perhaps a sudden terror and premonition against what he loved, a lightning of disdain against what for it if he called "duty", a tumultuous, arbitrary, volcanic desire, of walking, foreigner, strangeness, cooling, sobriety, cooling, a hatred to the love, iconoclasm gesture and look backwards, for there where they until now pray and love, perhaps a live coal of shame of what he finishes to do and, at the same time, a rejoicing for having done, a drunk chill, internal, joyfull, that denounces a victory - a victory? on what? on who? An enigmatic, an interrogative one, problematic victory, but always the first victory: - here is what it has of bad and painful in the history of the great release."


Although I not to assume a complete agreement with all the teses of Nietzsche, it seems interesting to relate the description that he makes of the "free spirit" with what we are used to call critical spirit. The critical one, always bases itself on what is previous, either a book, a thought or an action, and at the same moment where we take the chance to make them, it reveals a victory, therefore it reaffirms our autonomy of thought.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Eco e Narciso

Os que se interessam por mitologia já devem ter lido o belíssimo mito de Eco e Narciso. Reproduzo rapidamente seu conteúdo.

Narciso era um belo jovem que, a despeito de despertar paixões em jovens e seres sobrenaturais como as ninfas, não as considerava dignas de seu amor, desprezando-as. Eco, por sua vez, era uma destas ninfas, que sentiu uma paixão avassaladora pelo jovem a primeira vista.

No entanto, quando do primeiro contato entre eles, Eco já era vítima da punição de Hera, que a impeliara a não falar nada por conta própria, mas apenas repetir as palavras que ouvia dos outros. Seguiu-se este pequeno diálogo entre eles:

- Há alguém aqui?- Aqui! - respondeu Eco. Narciso olhou em volta e não viu ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele, e quem era a dona daquela voz tão bonita.
- Vem - gritou.- Vem! - respondeu Eco.
- Por que foges de mim?- Por que foges de mim?- repetiu
- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!- Juntar! - a donzela não podia conter sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.
Narciso, vendo a ninfa que corria em sua direção, gritou:- Afasta-te! Prefiro morrer do que te deixar me possuir!- Me possuir... - disse Eco.
(fonte da descrição que fizemos do diálogo http://hall_of_secrets.tripod.com/greciavaidade.htm).

A tragédia amorosa de Eco não poderia terminar de modo diferente: definhou em sua paixão, até que tudo o que restou dela foi sua voz, que até hoje responde aos que a chamam, e, como era seu costume, dando sempre a última palavra nas conversas.

Lembrei deste mito a propósito de um quadro de J.W. Watherhouse (Echo and Narcissus, disponível em http://www.johnwilliamwaterhouse.com/pictures/echo-and-narcissus-1903.html), e tentei imaginar possíveis significados, para além de sua aparente simplicidade e temática romântica. Eis alguns dos pensamento que me ocorreram:

1) Observo uma certa tendência, quer em amizades ou em relacionamentos amorosos, de se dizer sempre aquilo que agrada ao amigo ou ao amado, considerando que isso é o caminho mais eficiante de conquistar e manter sua simpatia;
2) Usualmente, essa tendência não é vista como algo negativo, mas como uma espécie de adulação favorável ao relacionamento que se inicia ou que se pretende uma continuidade;
3) Daí que eu tenha considerado que o mito pode nos oferecer um alerta: nem sempre dizer o que a outra pessoa espera é um caminho seguro, pois há situações em que isso pode parecer repulsivo ao outro, a quem nos dirigimos.

Tenho outras idéias em mente, mas gostaria de primeiro consultá-los, quer para saber o que pensam a respeito, quer para responder a perguntas de esclarecimento.

English version

The ones with some interests for mythology must have already had read the gorgeous myth of Echo and Narcissus. I reproduce its content quickly.

Narcissus was a beautiful young man that, despite of awaking passions in young and supernatural beings as the nymphs, didn't consider them worthy of its love, disdaining them. Echo, in turn, was one of these nymphs, that felt an overwhelming passion for this young man at first sight.

However, when the first contact between them took place, Echo was already victim of the punishment of Hera, that makes say nothing on proper account, but to only repeat the words heard from others. This is the small dialogue between them:

- Is there anybody here? - Here! - Echo answered. Narcissus looked in return and see nobody. He wanted to know who was hiding from him, and who was the owner of such a pretty voice.
- Come! - he cried out. - Come! - echo answered. - Why do you run away from me? - Why you run away from me? - she repeated - I'm not running away! Come, let's get together them! - Get together! - Echo couldn't contain its happiness when running in direction of the loved one. Narcissus, seeing the nymph that ran in its direction, cried out: - Move away! I prefer to die, then let you possess me! To possess - Me… - Echo said. (Source of the description that I've made of this dialogue http://hall_of_secrets.tripod.com/greciavaidade.htm).

The loving tragedy of Echo couldn't finish in a different way: she meagered in its own passion, until everything remained was her voice, that until today answers who called her, and, as like hers custom, giving always the last word in the colloquies.

I remembered this myth because of a J.W. Watherhouse's picture (Echo and Narcissus, available in http://www.johnwilliamwaterhouse.com/pictures/echo-and-narcissus-1903.html), and I tried to figure out possible meanings, beyond its apparently simplicity and romantic thematic. Here it is some of the thought occurred:

1) I observe a certain trend, that in friendships or loving relationships, of always saying what it pleases to the friend or the loved one, considering that this is the efficient way to conquer and to keep its affection;
2) Usually, this trend isn't seen as something negative, but as a species of compliment favorable to the relationship, that initiates or that continuities is intended;
3) From there I have considered that the myth can offer a kind of alert: nor always to say what another person wants to hear is a safe way, therefore it has situations where this can seem repulsive to the other, the one who we direct yourselves to.

I have other ideas in my mind, but it would like first consulting you, to know what you think about it, or to answer questions of clarification.

Humano, demasiado humano

É possível um blog reunir elementos de todas as disciplinas reconhecidas como humanidades? Esse é o desafio que proponho: um fórum de discussão sobre Filosofia, História, Psicologia, Literatura, Sociologia, etc. No exato momento em que crio este espaço de discussão, não estou preocupada com a separação rígida entre estas disciplinas, e sim com o poder explicativo que elas têm em seu conjunto. Sei que minha proposta pode parecer ampla e irrealizável - e até mesmo a reconheço como tal -, se ela depender exclusivamente de meus conhecimentos ainda em formação, mas pretendo contar com a ajuda de pessoas com inquietações semelhantes e que gostariam de tornar públicas suas idéias. Agradeço aos amigos que tiveram a iniciativa de criar blogs antes de mim, e que, não há dúvida, foram minha inspiração.