domingo, 19 de setembro de 2010

Resenha – White, Hayden. Meta História – Introdução (p. 26-36)

Obra: White, H. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. Tradução de José Laurênio de Melo. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

Obs: Para ler a primeira parte desta resenha, acessar a postagem Resenha - White, Hayden. Meta-História - Introdução (p. 23-26), de 29 de julho de 2010.

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Explicação por argumentação formal

- Enquanto o item anterior tratou do enredo utilizado no relato narrativo, este item tratará de outro nível de análise que é o da finalidade ou o do significado. Este tipo de explicação por argumentação faz uso do argumento nomólógico-dedutivo, pois a premissa maior apresenta a lei putativamente universal de relações causais, a premissa menor as condições de limite em que a lei é aplicada e a conclusão de que os eventos realmente ocorridos são deduzidos da premissa (p.26);
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- Distingue-se do modo como o historiador põe enredo em sua estória, pois naquele caso a estória é compreendida como de um tipo particular, fazendo com que os eventos ganhem uma coerência formal, tal como um cientista que identifica elementos nomológicos-dedutivos a partir dos quais fornece suas explicações. No caso da argumentação formal temos os elementos da matriz causal, que se presumem terem ocorrido em região específica de espaço e período específico de tempo. White, assim, assume a ideia de que o historiador faz, ao mesmo tempo, arte e ciência, apesar de podermos distinguir a representação “do que aconteceu” do “por que aconteceu como aconteceu”, da escolha de uma narrativa que apresente o caminho segundo o qual se passou de uma situação a outra recorrendo a leis de causação (p. 27);
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- A história, no entanto, distingue-se das ciências porque os historiadores discordam justamente com relação a quais leis regeriam a causação social, leis sociais estas que serão invocadas para explicar certa sequencia de eventos. Enquanto as ciências naturais parecem avançar por meio de acordos quanto aos problemas científicos, a forma de explicação que devem assumir e os dados que podem ser considerados provas para a descrição científica da realidade, entre os historiadores não há concordância quanto a explicação histórica de qualquer conjunto de fenômenos históricos considerados. Sendo assim, a história recorre a diferentes pressupostos meta-históricos sobre a natureza do campo histórico, gerando diferentes tipos de explicação (p. 27-8);
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- Seguindo Stephen C. Pepper (World hypotheses: a study in evidence) diferencia quatro paradigmas que apresentam o que é uma explicação histórica, considerada como argumento discursivo: formista, organicista, mecanicista e contextualista (p. 28);
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a) Teoria formista da verdade: identifica as características dos objetos relativos ao campo histórico, sendo que a sua explicação está completa quando os objetos foram identificados nos atributos de classe, genéricos e específicos. Procura dissipar a identidade de todos os objetos do campo. Historiadores que lidam com essa perspectiva: Herder, Carlyle, Michelet dentre os historiadores romanescos e Niebuhr, Mommsen e Trevelyan entre narradores históricos. O objetivo central do trabalho do historiador é o próprio objeto, descrito em toda a variedade, colorido e vividez (p. 29);
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- Na Nota 7, White afirma que as considerações que fez em relação a Frye na nota 6 aplicam-se aqui a Pepper e suas formas básicas de reflexão filosófica. Ressalta que filósofos como Platão, Aristóteles, Descartes, Hume, Kant, Hegel, Mill não se reduzem aos arquétipos definidos por Pepper. No entanto, quando os historiadores falam como filósofos, invocando alguma ideia geral em relação ao ser, tratam de teoria geral de verdade e de verificação. Neste sentido, os filósofos da história são mais “cognitivamente responsáveis” do que os historiadores, pois estes apenas adotam uma visão de mundo (p. 29);
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- Segundo White, Pepper considera o formismo eminentemente dispersivo, pois em suas operações analíticas não se dispõe a realizar a integração, como é o caso de explicações organicistas e mecanicistas. Sendo assim, é ampla em seu alcance, mas as generalizações dos processos carecem de precisão conceitual (p. 30);
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b) Hipóteses organicistas do mundo: são mais integrativas do que a formista e mais redutivas em suas operações. As descrições dos pormenores históricos são feitos com base em componentes sintéticos. Existe um compromisso metafísico com o paradigma a relação entre o microscópio-macroscópico, sendo as entidades individuais componentes que se agregam em totalidade maiores ou qualitativamente diferentes do que a soma de suas partes. Exemplo de historiador que opera nesta estratégia é Ranke e a maioria dos historiadores nacionalistas, das décadas dos meados do século XIX Von Sybel, Mommsen, Treitschke, Stubbs, Maitland etc. Também idealistas tais como Hegel (p.30);
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- Pepper considera que tais historiadores estão mais interessados em caracterizar o processo integrativo do que os elementos individuais, dando o caráter abstrato aos argumentos. Ranke, por exemplo, resiste à ideia de fornecer um telos do processo histórico, mas oferece teloi provisórios e estruturas intermediárias, como “povo, nação e cultura”. White afirma que Ranke descreve eventos em sua particularidade e, neste sentido, seria representante do formismo. Mas, dada à estrutura e a coerência formal em suas explicações dos processos recorre ao modelo organicista (p. 31);
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- As estratégias organicistas evitam a busca de leis do processo histórico, se estas são entendidas como relações causais universais e invariantes, tais como a física newtoniana, a química lavoisieriana ou a biologia darwiniana. Trata de princípios e ideias ao invés de leis, sendo aquelas que informam os processos, exceto os que orientação religiosa ou teológica que definem aqueles como agentes causais (p. 31);
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c) Teoria mecanicista: também são integrativas dos objetivos , mas propensas a reduções e não a sínteses. Busca as leis causais que determinam os resultados dos processos no campo histórico, que governam a interação entre partes. Exemplos de mecanicistas: Buckle, Taine, Marx, Tocqueville (p. 30-2);
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- O mecanicista da mesma maneira que o organicista é ameaçado pela mesma tendência para a abstração. Isto por que as entidades individuais perdem importância em relação às classes às quais pertencem e que, por sua vez, manifestam as regularidades presumidas nas leis. Tais leis representam aquilo que o mecanicista considera como explicação histórica e governam a história, tal como as leis da física governam a natureza (p. 32);
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- Também os mecanicistas, tal como os organicistas, podem ser acusados de falta de alcance e de tendência para abstração. Partindo da perspectiva formista, mecanicismo e organicismo são redutores da variedade e do colorido das entidades individuais. Porém, resgatar esta extensão e concretude, além da opção do formismo, também está presente o contextualismo, cuja teoria da verdade e da explicação se apresenta como funcional do sentido ou da significação dos eventos do campo histórico (p. 32);
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d) Contextualismo: considera que os eventos são explicados na medida em que são inseridos no seu próprio contexto, revelando relações específicas que guardam com outros eventos. Aqui, diferentemente do formismo que considera entidades em sua particularidade e unicidade, o contextualista concentra-se nas inter-relações funcionais entre os agentes e agências. Exemplos de filósofos modernos que adotam esta perspectiva são W. H. Walsh e Isaiah Berlin (chamam as inter-relações funcionais de coligação). Historiadores de Heródoto a Huizinga também, porém com mais expressividade em Jacob Burkhardt (séc. XIX) (p. 33);
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- Procura evitar a tendência dispersiva do formismo e as abstrativas do organicismo e do mecanicismo. Como se referem a períodos determinados da história, suas explicações não tem caráter de leis universais, tais como as propostas pelo mecanicismo, nem mesmo princípio teológicos gerais propostos pelos organicistas. São interpretadas como relações reais, presumidamente existentes em tempos e lugares específicos, mas cuja causa primeira, final ou material não podem ser conhecidas (p. 33);
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- Segundo Pepper o contextualista avança pelo isolamento de elemento do campo histórico como assunto de estudo, que pode ser tão amplo como a “Revolução Francesa” ou tão restrito quanto o dia de uma pessoa. As explicações (fios) que ligam o evento são tecidos em vários elementos do contexto, estendidos para fora (em direção ao espaço natural e social) e para trás determinando as origens do evento e para frente determinando seus impactos e influências (p.33);
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- O enfoque contextualista é, assim, uma combinação da tendência dispersiva do formismo e integrativa que informa o organicismo, mas pretende ser modesta na medida em que o fluxo do tempo é considerado “ondulatório”, ou seja, com fases e culminâncias mais importantes que outras, tornando predominante a ideia de desenvolvimento e a evolução. Esta estratégia sincrônica de representação inclina-se ao mecanicismo ou ao organicismo quando tenta relacionar diferentes períodos estudados (p. 34);
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- Séc. XIX, com a academicização há predominância do formismo e do contextualismo. Tendências organicistas e mecanicistas, como as representadas por Ranke e Tocqueville são consideradas lapsos em relação àquilo que a explicação histórica deve ser. Ou ainda, a explicação do campo histórico como as de Hegel e Marx, consideradas como queda na filosofia da história. O livro de Karl Popper Poverty of historicism denuncia exatamente estes dois modos de explicar o pensamento histórico (p. 34-5);
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- Para White, a razão esta hostilidade dos historiadores em relação aos modos de explicação organiscista e metanicista permanece obscuro, a não ser que se busque razões extra-epistemológicas. Admitida a natureza protocientífica dos estudos históricos não há fundamento apodítico para a preferência em relação a um dos modos de explicação (p. 35);
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- Há historiadores que defendem a posição de que a história deve se tornar científica, afastando, portanto, as influências do mito, da religião e da metafísica, o que implica afastar da prática historiográfica os posicionamentos organicista e mecanicista. Limitando-se, assim, aos modos formista e contextualista, a história permaneceria empírica, resistindo à filosofia da história como as praticadas por Hegel (organicista) e Marx (mecanicista) (p. 35);
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- White considera, porém, que uma vez que a história é apenas uma protociência, essa hostilidade com o organicismo e com o mecanicismo não expressa mais do que um preconceito por parte do estabelecimento profissional. Estas estratégias apontam para elementos dos mundos natural e social que não podem ser apreciados a partir da perspectiva formista ou contextualista e, portanto, o comprometimento exclusivo com as dispersões próprias do formismo e do contextualismo isenta os historiadores da tentativa de integração dos dados própria das duas outras estratégias e implicam uma forma que a história deve assumir (p.35);
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- Os críticos mais radicais dessa escolha apresentam-na como ideologicamente motivada. Por exemplo, para os marxistas, seria o modo de manutenção dos grupos sociais estabelecidos, pois a utilização do modo mecanicista de explicação histórica mostraria as leis reais do processo e da estrutura histórica, expondo o poder desfrutado pelas classes dominantes (p. 35);
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- Assim, a concepção de história concentrada nos eventos individuais e suas relações com o contexto imediato apresenta vantagem para os grupos dominantes, pois enfatiza o individualismo dos liberais e as concepções hierárquicas dos conservadores. Por outro lado, os historiadores liberais também consideram as demais estratégias como ideologicamente motivadas, pois afirmam que as leis encontradas apontam para formas de transformação social em direção radical ou reacionária. Do mesmo modo, os filósofos idealistas quando apresentam o sentido da história (p. 36);
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- Deste modo, parece haver elemento ideológico em todo relato histórico da realidade, o que, segundo White, decorre do fato de que a história não é uma ciência, sendo no máximo uma protociência com elementos não-científicos determináveis na sua constituição e que levam para diferentes concepções sobre o “presente”, podendo levar a diferentes possíveis projetos de como manter ou mudar sua forma (p. 36).

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Duas palestras durante o mês de setembro - SP e PR

Caros amigos seguidores deste blog,
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Nossa convivência virtual tem sido bastante produtiva, por isso eu os agradeço pelo esforço e dedicação às minhas postagens. Permitam-me divulgar duas palestras que ministrarei durante o mês de Setembro, permitindo nosso encontro físico em São Paulo ou em Curitiba:
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- São Paulo: Sexta-feira, dia 24 de setembro de 2010, a partir das 18:30h recepção e 19:00 às 21:00 palestra e discussão dos temas.
Título da palestra: Historiografia e Gêneros Literários.
Resumo: Com apoio na ideia de que não temos a nossa disposição uma verdade única acerca dos fenômenos naturais e humanos, podemos entender a história como uma construção narrativa e que, além disso, esta narrativa teoria como eixo quatro possíveis gêneros literários: o romance, a tragédia, a comédia e a sátira.
Local: Livraria SBS - Butantã
Av. Vital Brasil, 695
CEP 05503-001
Tel.: (11) 3819-4001. livrariainternacional@sbs.com.br
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- Curitiba: Terça-feira, dia 28 de setembro de 2010, das 14:00 às 17:00.
Título da palestra: A Historiografia da Ciência de Thomas Kuhn.
Resumo (feito por Daniel Tozzini, amigo kuhniano e mestrando da pós-graduação em filosofia na UFPR): Seminário sobre Thomas Kuhn. Quem o ministrará será a Deborá Aymoré, doutoranda da USP. Seus estudos sobre Thomas Kuhn têm um viés alternativo. Os problemas que ela analisa tentam colocar em pauta a história da ciência e a perspectiva do historiador, antes da do filósofo ou do cientista. Vale a pena darmos uma olhada. Suas apresentações são bastante didáticas e sempre acompanham um bom recurso visual.
Local: UFPR, a confirmar com mais detalhe, mas provavelmente nos alocaremos em alguma sala no sexto andar do Dom Pedro II.
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Grande abraço a todos!