Ambientação: estou realizando um ano da minha pesquisa de
doutorado nos Estados Unidos, após ter recebido a bolsa de doutorado sanduíche
da Capes. Espero que o relato a seguir seja, ao mesmo tempo, reflexivo, útil e
inspirador, em que pese sua origem em minha experiência pessoal. Especificamente,
trato da sensação fantástica que é perceber a melhora significativa na fluência
em Inglês.
o0.O.0o
O que é fluência em uma língua estrangeira? Sinceramente, não
sei e não tenho formação técnica para explicar esse fenômeno. Tudo o que posso
dizer é que hoje senti uma espécie de integração com o meio, que me fez
perceber o quão importante para o nosso crescimento acadêmico e humano é um
estágio de pesquisa no exterior.
Posso dizer, em primeiro lugar, que é uma sensação sutil,
porque desde minha chegada, há pouco mais de três meses, tenho conversado em
inglês com colegas de faculdade e/ou em pequenas conversas cotidianas. Senti, como
toda pessoa que não tem o Inglês como língua materna, ausências de vocabulário,
que teimam em vir em minha mente palavras em Português nas horas erradas e que,
mesmo quando me esforço para falar o melhor Inglês possível, cometo aqui e ali alguns
erros de gramática. O fato é que sempre volto para casa, penso alguns dias
sobre as conversas que tive, em como eu poderia ter construído certa frase de
modo gramaticalmente mais correto, treino a pronuncia correta das palavras, busco
termos no dicionário e/ou na internet. Some-se a isso que, para o bom do
desenvolvimento e conclusão de minha pesquisa de doutorado, tenho obviamente lido
e fichado livros em Inglês.
Considero que o aconteceu de diferente hoje, quer em relação
ao meu estudo formal em Inglês, quer em relação aos meus primeiros dias no
exterior, foi a percepção da melhora em minha fluência, ou seja, que os
assuntos sobre os quais queria tratar estavam bem representados por minhas
palavras, que eu praticamente não pensei em Português para construir frases. O que
posso dizer é que essa é uma sensação fantástica, algo próximo de um sentido de
familiaridade, de integração com um meio que, até então, parecia estranho e mesmo
um pouco assustador. Até certo ponto, é superar diferenças, encontrar uma porta
de acesso ao desconhecido.
Então, em segundo lugar, a fluência em uma língua
estrangeira parece-me ser também uma experiência de empoderamento. Linguístico, claro, mas principalmente humano,
porque senti que parte de minhas ideias, que de certo modo pairavam latentes
devido à falta de vocabulário (comparativamente com a minha língua materna),
hoje puderam ser ouvidas e, espero eu, entendidas por meus ouvintes. Pude ser,
assim, um pouco mais eu mesma, no sentido de que tratei tanto de assuntos sobre
os quais venho estudando e pesquisando, sobre notícias do Brasil e do mundo,
assuntos sobre os quais falo naturalmente em Português, mas que pareciam estar
cobertos por uma barreira invisível que hoje, se não se dissipou totalmente,
tornou-se ao menos mais translúcida.
Finalmente, queria dizer que a sensação de fluência é extremamente
estimulante. Faz-me pensar como eu gostaria de ter morado/estudado no exterior
quando era criança ou adolescente, para que hoje eu pudesse apresentar a mesma
fluência não em uma língua estrangeira, mas em várias línguas estrangeiras. Formalmente,
estudei não apenas o Inglês, mas também Espanhol, Francês e Alemão (e um pouco
de Japonês), mas percebo que a diferença entre o estudo formal e isto que
chamei de sensação de fluência está em que, independente dos diferentes backgrounds culturais de seus ouvintes,
é possível fazer suas ideias serem ouvidas e entendidas, é possível também
entender os outros e, quem sabe, perceber e entender um pouco melhor sobre si
mesmo. Não é apenas ter lido sobre o fenômeno do bilinguismo, mas vivenciá-lo,
quer pelo trânsito em diferentes mundos
(entre o seu “mundo mental” e o do outro, entre o seu entorno cultural e o de
outro país) quer pela “criação” de um mundo comum sobre o que se fala.
O que posso dizer para os meus amigos de pós-graduação que
ainda não passaram pela experiência de estudo no exterior é que essa sensação
de enriquecimento linguístico e humano apresentado pela fluência em uma língua
estrangeira é muito interessante!