quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Amadeus: um ensaio sobre a oposição


Recentemente revi o filme "Amadeus", que trata da vida e obra de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Não preciso ressaltar a genialidade deste compositor, já que isto é suficientemente reconhecido. Gostaria de tecer alguns comentários sobre o filme, pois ele mostra um elemento que me parece objeto interessante de reflexão: o papel desempenhado por Antonio Salieri (1750-1825), o narrador da vida de Mozard no filme e, aparentemente, o seu antagonista e o responsável por sua morte.

A narrativa começa com a vida de Salieri, com a sua paixão pela música, que se vê impedida de ser realizada pela ausência de permissão de seu pai. No entanto, com a morte do mesmo, iniciou os estudos musicais especialmente após sua mudança para Viena e tornando-se, finalmente, o compositor oficial da corte. Em realidade sua vida se mostra oposta à de Mozart, cujo pai, Leopold Mozart, o estimulou ao estudo da música desde tenra idade.

Outra questão parece colocá-los em oposição: enquanto Salieri era devoto, atribuindo sua inspiração musical à Deus, Mozart, por outro lado, é mostrado no filme com vida desregrada, especialmente durante à noite, após dedicar seu dia à composição na casa onde morava com sua esposa Constanza. Com ela teve um filho, por outro lado, Salieri é representado como reprimindo suas paixões, como forma de alcançar a graça de ser representante da voz de Deus.

No entanto, o encontro entre os dois desperta em Salieri a inveja, pois é capaz de perceber, com o seu treinamento musical, a genialidade nas composições de Mozart. É neste momento que começa o conflito: inicialmente um conflito interno, em que Salieri se vê obrigado a reconhecer suas próprias imperfeições musicais e morais, pois deseja atrapalhar a ascenção do jovem Mozart; até alcançar o conflito externo, momento em que Salieri efetivamente começa a secretamente elaborar planos para prejudicar Mozart, cujo ápice é, após a morte do pai de Mozart, assobrar a vida deste compositor ao encomendar uma missa para as almas: o Requiem.

Considero que Salieri e Mozart compartilhavam obviamente a mesma paixão pela música. Talvez o primeiro com a rigidez do adulto e a melancolia da maturidade, enquanto o segundo com a ingenuidade da criança e a força da juventude. Além disso, para ambos a influência do pai foi decisiva: para Salieri a ausência de apoio paterno era objeto de ressentimento, que depois se transforma em ressentimento em relação à Deus, pois acredita que mesmo com toda a sua abnegação, Deus havia ironicamente entregue o dom musical à Mozart e não à ele.

Eis que, em cena final do filme, Mozart sente-se mal durante a apresentação da Flauta mágica e Saliere, que estava presente, o leva para casa. No momento em que chegam, Mozart está esgotado, mas Salieri inventa a história de que o homem que encomendara a missa para as almas, que não era outro senão ele próprio, quer que a mesma fique pronta até a noite do dia seguinte, propondo à Mozart que o mesmo dite as notas que seriam, então, por ele registradas em partituras.

Os dois, portanto, realizam esta atividade conjunta, a noite termina, dando lugar à luz do dia. Neste exato momento, Constanza, a esposa de Mozart, retorna para casa com seu filho e percebe a presença de Salieri. Tenta expulsá-lo, mas Salieri se mostra fiel ao amigo, que havia pedido que Salieri permanecesse perto dele, enquanto o mesmo descansava. Desenvolve-se uma discussão entre Constanza e Salieri, e eis que, para a surpresa de ambos, Mozart dá seus suspiros finais e morre, sem terminar seu Lacrimosa.

Esta cena final é profundamente tocante, pois apresenta o momento de reconciliação entre Salieri e Mozart. Interessante notar que Mozart considerava Salieri um amigo, pois nem sequer percebia suas maquinações e, inclusive, pede desculpas ao mesmo por ter pensado de Salieri não se interessava por seu trabalho. Salieri, por outro lado, mostra-se preocupado e profundamento solícito à Mozart naquela noite, talvez apenas para levar à cabo seu plano de tomar o Requiem como de sua própria autoria ou talvez porque admirasse profundamente seu antagonista.

Minha interpretação é de que o antagonismo entre Salieri e Mozart trouxe benefícios à ambos: Salieri pode experimentar emoções diferentes ao permitir transbordar em seu peito a inveja e o ódio por Mozart. Tais paixões, usualmente consideradas negativas, podem ter influenciado suas composições daquele momento em diante, de tal modo que a presença de Mozart representasse para Salieri um desafio para tornar-se melhor, enquanto ser humano, uma vez que teria que lutar contra suas próprias paixões, mas também musicalmente, já que teria que responder ao seu desafiante com composições à altura das de Mozart.

À seu turno, Mozart talvez também considerasse Salieri como seu antagonista: Salieri era o compositor oficial da corte, um homem admirado por todos, enquanto Mozart lutava para ser aceito em Viena. Mas, é quando Salieri inicia a execução de seu plano final, que lança o desafio mais complexo ao compositor Mozart, pois com o Requiem Mozart vê esgotar as suas forças em uma obra que pouco a pouco o consumia. E que, finalmente, o consome. A luz da Flauta mágica aparece absorvida pelas trevas do Requiem, que, em outras palavras, pode ser interpretado como a infância de Mozart dando espaço à maturidade, em que ele tinha que assumir posição sobre o fantasma do passado representado pela influência e também perda de seu pai.

Por estes motivos, consideramos que Salieri ensina a Mozart a maturidade e a reflexão sobre assuntos humanos, em que pese a dor que tais reflexões podem causar, enquanto Mozart relembra Salieri o que é a ingenuidade e a juventude, em sua entrega apaixonada e sem limites à música e à vida. Neste sentido, eles poderiam ser colocados como representantes nietzscheanos dos modelos apolíneo e dionisíaco: o primeiro interessado pela regra musical e limitação à moral da época e o segundo pelo desregramento musical e transgressão da moralidade vigente. Porém, tal como Nietzsche apresenta estes dois modelos, a verdadeira arte surgiria da união e não do uso particular de um deles. Acho que o filme "Amadeus", naquilo que apresenta da relação entre Salieri e Mozart, mostra que do conflito gerado entre opostos, não são apenas pontos negativos que são gerados, pois me parece um ser humano completo precisa da pureza da infância, do arrebatamento da juventude e do compromisso da maturidade.

Segue o link para vídeo do Youtube, que apresenta parte da cena final que se desenvolve entre Salieri e Mozart: http://www.youtube.com/watch?v=nJ226kQJiHY&feature=related

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Why I Write, by Terry Tempest Williams

"I write to make peace of things I cannot control. I write to create fabric in a world that often appears black and white. I write to discover. I write to uncover. I write to meet my ghosts. I write to begin a dialogue. I write to imagine things differently perhaps the world will change. I write to honour beauty. I write to correspond with my friends. I write myself out my nightmares and into my questions that shatter my sleep. I write to remember. I write to forget. I write to quell the pain. I write as a form of translation. I write with the patience of melancholy in winter. I write as an act of faith. I write to record what I love in the face of loss. I write because its make me less fearful of death. I write to listen. I write out of silence. I write because of the humor of our condition as humans. I write because I believe it can create a path in darkness. I write past the embarrassment of exposure. I write because it is dangerous, a bloody risk, like love, to form the words, to say the words, to touch the source, to be touched, to reveal how vunerable we are, how transient. I write as though I am whispering in the ear of the one I love".

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Versão em Português: Por que eu escrevo, por Terry Tempest Williams

"Eu escrevo para fazer as pazes com as coisas que eu não posso controlar. Eu escrevo para criar um tecido em um mundo que muitas vezes parece preto e branco. Eu escrevo para descobrir. Eu escrevo para encobrir. Eu escrevo para encontrar meus fantasmas. Eu escrevo para começar um diálogo. Eu escrevo para imaginar coisas diferentemente, talvez o mundo mude. Eu escrevo para honrar a beleza. Eu escrevo para corresponder com meus amigos. Eu escrevo-me meus pesadelos e nas questões que interrompem meu sono. Eu escrevo para lembrar. Eu escrevo para esquecer. Eu escrevo para conter a dor. Eu escrevo como uma forma de tradução. Eu escrevo com a paciência da melancolia no inverno. Eu escrevo como um ato de fé. Eu escrevo para recordar o que eu amo em face da perda. Eu escrevo porque isso me faz temer menos a morte. Eu escrevo para ouvir. Eu escrevo para fora do silêncio. Eu escrevo por causa do humor de nossa condição como seres humanos. Eu escrevo porque eu acredito que isto pode criar um caminho na escuridão. Eu escrevo passado o constrangimento da exposição. Eu escrevo porque isso é perigoso, um risco de sangue, como o amor, para formar as palavras, para dizer as palavras, para tocar a fonte, para ser tocado, para revelar o quão vunerável nós somos, quão transitórios. Eu escrevo como se estivesse sussurando no ouvido de quem amo".