quinta-feira, 20 de maio de 2010

A busca da alma em "O Labirinto do Fauno", parte 2

"Imagina homens um uma morada subterrânea e forma de caverna, provida de uma única entrada com vista para a a luz em toda a sua largura. Encontra-se nesse lugar, desde pequenos, pernas e pescoço amarrados com cadeias, de forma que são forçados a ali permancer e a olhar apenas para frente, impossibilitados, como se acham, pelas cadeias, de virar a cabeça. A luz de um fogo acesso a grande distância brilha no alto e por trás deles; entre os prisioneiros e o foco de luz há um caminho que passa por cima, ao longo do qual imagina agora um murozinho, à maneira do tabique que os pelotiqueiros levam entre eles e o público e por cima do qual executam suas habilidades (...). Observa, então, ao comprido desse murozinho homens a carregar toda sorte de utensílios que ultrapassam a altura do muro, e também estátuas e figuras de animais, de pedra, ou de madeira, bem como objetos da mais variada espécie" (A República, Livro VII, 514a-515a. Tradução de Carlos Alberto Nunes).
Em nossa postagem anterior, identificamos como ponto central de "O Labirinto do Fauno" a busca da alma, afirmando também que este elemento aproxima o filme da tradição mitológica grega. Além disso, afirmamos que na mitologia, usualmente são apresentados dois mundos que se relacionam: o mundo dos homens e o mundo dos deuses, sendo que apenas o primeiro está sujeito à passagem do tempo. Sem saber ao certo se é possível classificar a alegoria da caverna de Platão com a tradição mitológica ou não, apresento nesta segunda postagem algumas relações que pude estabelecer entre o filme e esta alegoria. Parece depreender-se da passagem acima, que na alegoria da caverna de Platão existem quatro elementos semelhantes às alegorias utilizadas no filme: (1) que as pessoas estão dentro de uma caverna (ambiente) e (2) presas por grilhões, tais pessoas tem a sua possibilidade de movimento reduzido (limite físico), bem como (3) só conhecem aquilo que chega aos olhos a partir de objetos, transportados às suas costas (limite cognitivo) e (4) mal iluminadas por feixe de luz. Na continuação do texto, Platão sugere que um dos prisioneiros seja libertado e submetido, primeiramente, a olhar par aos próprios objetos, sendo finalmente levado para fora da caverna, para contemplar diretamente a luz do Sol. Proponho a seguir a aproximação entre estes quatro elementos com os da história narrada pelo filme.
Deste modo, em relação ao ambiente, vemos que em "O Labirinto do Fauno" a personagem Ofélia também é levada ao labirinto, apesar de não ter nascido nele, como no caso dos presos da alegoria platônica. A não ser que se reconheça que a mudança para a montanha, juntamente com sua mãe, seja um novo começo e, portanto, como a entrada em uma nova vida. Neste sentido, o labirinto representaria apenas um aprofundamento em relação a esta nova vivência. Outro ponto parece-me interessante destacar. Tando a caverna, quanto o labirinto possuem apenas uma entrada e, uma vez dentro de um deles, se está cercado por muros. Isto, a meu ver, aproxima as duas imagens, da caverna e do labirinto, de tal modo que se possa afirmar que o labirinto é apenas imagem mais complexa e datalhada que a da caverna. Ambos, porém, remetem ao subterrêneo, ao obscuro ou, pelo menos, ao desconhecido.
A partir da consideração de que Ofélia não nasceu no labirinto, podemos afirmar que ela tem a escolha de entrar ou não nele. Observe-se que, inicialmente, quando ainda desconhecia inclusive que passaria por provas, ela adentra de boa vontade, seguindo a fada que rapidamente mostra-lhe o caminho até o centro, onde encontraria pela primeira vez o Fauno. No entanto, há uma progressão no filme. pois na medida em que passa pela segunda e pela terceira provas, não apenas se torna mais difícil passar por elas, pois parece que todo ambiente ao redor de Ofélia conspira para dificultar sua realização, como também a própria boa vontade com que ela originalmente se relaciona com os seres fantásticos que encontra na sua nova vida dá lugar ao medo e ao receio, próprios de pessoas que passam da infância para a fase adulta e que agora são capazes de observar a vida partindo de aspectos mais profundos e penosos da alama humana, como foi para Ofélia a perda de sua mãe e o processo de autoconhecimento engendrado pelas provas pelas quais passava.
Se passarmos agora para a parte interna da caverna, teremos as pessoas presas por grilhões o que, como afirmamos, leva a que tenham uma limitação física, que também leva à limitação cognitiva. Ora, interpretando a entrada na caverna e a entrada no labirinto como a situação que se quer superar, a solução para as limitações impostas é encontrar a saída. No entanto, aqui parece surgir uma diferença importante entre a entrada na caverna e a entrada no labirinto, pois, aparentemente, o objetivo de saída da caverna para a contemplação do Sol ou, de modo gradual, da verdade, a entrada no labirinto leva a quantidade maior de caminhos enganadores, de maneira que, por mais que haja uma saída, a altura dos muros e a ausência de iluminação pode retardar dolorosamente o fim. Assim, a entrada da caverna é equivalente a sua saída, tanto que o prisioneiro liberto e que contemplou o Sol, quando retorna à caverna para comunicar aos seus antigos companheiros de cárcere, entra pela mesma entrada. Por outro lado, a entrada do labirinto não é equivalente a sua saída. Ou, pelo menos, podemos afirmar que existem duas saídas: a primeira, que retorna para o mundo dos homens e a segunda, que retorna para o mundo subterrâneo, onde Ofélia é Moanna.
Esta assimetria da entrada e da saída do labirinto parece-me explicável a partir da ideia de que o labirinto é a busca interna da alma, uma espécie de mergulho em si mesmo, enquanto a saída da caverna seria aparentemente a contemplação de uma verdade exterior. Esta conclusão, no entanto, estaria em desconformidade com outras afirmações de Platão, em que não seria possível incluir na alma o conhecimento que ela já não possuísse, sendo o processo de educação entendido como lembrança. Aqui vemos, portanto, que a diferença entre a imagem da caverna e a do labirinto com relação à sua aparente assimetria entre o interno e o externo (ou entre a entrada e a saída) se dissolveria, pois em ambos os casos o objetivo seria fazer com que a alma rememorasse aquilo que desde o início já era conhecimento seu.
Por estes motivos, considero que, por mais que o Fauno apresentado no filme estabeleça provas para que se torne evidente que Ofélia é Moanna, ele, tal como o pai da princesa que estava certo do seu retorno, já a reconhecera. Então, para que ele teria a feito passar por três provas? Parece-me que a explicação plausível para isto é o fato de que Ofélia, na verdade, não recorda de sua origem e será apenas quando tenta efetivamente agir como uma princesa do subterrêneo, salvando a árvore, enfrentando seus medos e sacrificando-se por outro, que passa a rememorar quem ela é realmente. Configurando, assim, as provas como encrusilhadas internas de autoconhecimento.

2 comentários:

Pres. David Naylor disse...

Hello, Débora, good to read a post from you. When you suggested connections between "Pan's Labyrinth" and Greek myths at your past entry, I was surprised firstly because, although the labyrinth itself and the deity Pan have undeniably Greek sources, del Toro's film is apparently scarcely inspired by Greek myths, or is at least much less inspired by them than by contemporary classics as Carroll, Borges, Machen and Goya. The film should be read at first sight as a development and a deepening of the issues dealt with in del Toro's former film The Devil's Backbone (2001), with Ofelia's reveries and trials being a more accurate version (in a kind of Carrollian-Borgesian turn) of Carlo's ghost visions and advises.

But your current post surprised me even more when you skipped over the more obvious references, which would be Psyche's four trials and Theseus's trial into the Minotaur's labyrinth, and in a dizzying turnaraound, suddenly plunged straight into Plato's alegory of the cave (which is hardly classifiable as a Greek myth in a primary sense), seemingly disregarding the central difference that, while Plato's cave is what prevent men to see reality, del Toro's Labyrinth is what allows them to do it. In the outside of Plato's cave there are truth and happiness, and in the outside of del Toro's labyrinth there are war and despair. The comparison between both would only make sense if you should advocate that Ofelia's reveries are mere empty fantasies which prevent her to face reality because it is too raw, sad and cruel. If you should argue that Ofelia's trials were actually levels of her escaping of reality, steps into a psychic disturb, hardly but possibly comparable to religious fanaticism or mass ideology, then you would be able to compare del Toro's labyrinth and Plato's cave more straightly. But this seems to be like the exact opposite of your original intentions.

Débora Aymoré disse...

Hello, Pres. David. I would like to thank your reading and then writing about my post. It was very kind from you. You are right about my intentions, I really wanted to establish some relations with Psyche and Theseus myths, but I realized that they would not talk directly about the subject I was really intending to talk about, that was the relation between labyrinth and selfknowledge. Other problem I noticed was that those myths were deep enough to deserve its own post. This way I remembered about Plato's allegory of the cave and surprisingly I noticed some relevant iconographic similarities about the form of the cave and the form of the labyrinth. I didn't want to express all conclusions I drifted from this, but for me it was clear that, in both cases, we had somebody that was able to know more while, externally, changing its own locus (physical at first) and, internally, knowing more about its own feelings, desires and goals. This way I could abstract all the war situation that sarrounded Ofélia's life, and focused in the transformation she went through, as it was a rite of passage, from childhood to major. Well, as I said, both the labyrinth and the cave can be interpreted like our cognitive limits, but while the labyrinth seems to me as the symbol of deepening in the soul, the cave suggested the idea that the truth is external. Another issue I didn't talk about is Ofélia chose to enter in the labyrinth, while the prisoner was forced to be at the cave and then to leave. He only take the decision when it was time to get in again in the cave to talk to his former prision colleagues. I was quite sure that call platonic allegory of the cave, would not be classified as a myth but I think it served quine well to the comparison. Now about the suggestions, first I didn't search about Toro's influences, so I think my post would be a lot better with that. Secondly, I'm not sure if outside of the labyrith (man's word) is really bad for Ofélia to make her trying to leave it. She loved her mother and she loves her brother, she just didn't like to move in the General's place, but it was also there that she found some fantastic creatures, that, product of her mind or not, really hold her attention.