quinta-feira, 29 de julho de 2010

Resenha - White, Hayden. Meta-História - Introdução (p. 23-26)

Obra: White, H. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. Tradução de José Laurênio de Melo. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

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Explicação por elaboração de enredo

- Define o sentido da estória pela elaboração do enredo. Segundo White existem quatro formas de elaboração do enredo: a estória romanesca, a tragédia, a comédia e a sátira (irônica). Sendo que o historiador é obrigado a organizar todo o conjunto de estórias do enredo em forma abrangente ou arquetípica (p. 23).
a) Estória romanesca: drama de auto-identificação simbolizado pela aptidão do herói para transcender o mundo da experiência, vencê-lo e libertar-se dele – redenção (p.24);
b) Sátira: oposto a estória romanesca, homem é entendido como cativo do mundo, sendo a consciência humana é incapaz de sobrepujar a morte, seu inimigo inefatigável – disjunção (p. 24);
c) Comédia: tanto quanto a tragédia aponta a possibilidade de libertação, pelo menos parcial em relação ao mundo, alívio provisório em relação à disjunção. Demonstra a possibilidade de vitórias passageiras através da reconciliação entre as forças naturais e sociais, indicadas pelas situações festivas utilizadas ao final de narrativas dramáticas posteriores a mudanças ou transformações – reconciliação (p. 24);
d) Tragédia: indica que o estado de divisão entre os homens é ainda maior do que o agon que iniciou o drama. No entanto, a queda do protagonista e o abalo do mundo em que habita não são considerados ameaçadores para os que sobrevivem a prova agônica. Por outro lado, os que assistem ao protagonista consideram que houve ganho de conhecimento, relacionado a epifania em relação a lei regeneradora da existência humana, que a luta do protagonista contra o mundo produziu – reconciliação/metamorfose (p. 24);
- As reconciliações são de natureza diferente: na Comédia a reconciliação é do homem com os outros homens, dos homens com seu mundo e sua sociedade. Os elementos inicialmente irreconciliáveis mostram-se ao fim harmonizáveis, unificados, concordes consigo mesmos e com os outros. Já na Tragédia, há muito mais a característica de resignação do homem com as condições dadas no mundo (reconciliações “sombrias”), que se declaram inalteráveis e eternas, limitando o que pode ser visado na busca de segurança e equilíbrio no mundo (p. 24-5);
- Estória romanesca e sátira são mutuamente exclusivos. Mas, é possível falar de sátira cômica, comédia satírica ou ainda tragédia satírica e sátira trágica. Comédia e tragédia, assim, representam restrições a percepção romanesca do mundo (p. 25);

Comédia e tragédia representam restrições à percepção romanesca do mundo, considerada como um processo, no interesse de levar a sério as forças que se opõem ao esforço de redenção humana ingenuamente sustentado como uma possibilidade para a humanidade na estória romanesca. A comédia e a tragédia levam o conflito a sério, mesmo que aquela resulte numa visão da ulterior reconciliação de forças opostas e esta numa revelação da natureza das forças que se opõem ao homem. E é possível, para o autor romanesco, assimilar as verdades da existência humana reveladas respectivamente na comédia e na tragédia dentro da estrutura do drama de redenção que ele imagina em sua visão da vitória final do homem sobre o mundo da experiência (p. 25).

- No caso da sátira, ela representa um tipo de restrição diferente em relação a estória romanesca, pois “(...) observa essas esperanças, possibilidades e verdades ironicamente, na atmosfera gerada pela percepção da inadequação última da consciência para viver feliz no mundo ou compreendê-lo completamente. A sátira pressupõe a inadequação última das visões de mundo dramaticamente representadas tanto no gênero da estória romanesca quando nos gêneros da comédia e da tragédia. Como fase na evolução de um estilo artístico ou de uma tradição literária, o advento do modo satírico de representação assinala uma convicção de que o mundo envelheceu” (p. 25). White afirma ainda que a sátira afirma como inadequada sua própria representação do mundo e, além disso, prepara a consciência para o repúdio a conceptualizações rebuscadas do mundo, antevendo retorno e percepção mítica do mundo e de seus processos (p. 25).

5 comentários:

Linda Cavalcanti Lobato disse...

Oi, amiga, querida! Vim ingênua e animadamente comentar sua nova postagem e me deparei com a boa surpresa de uma teoria que parece unir história e literatura. Ou melhor, tipos de narrativas historiográficas e gêneros literários entendidos em sentido amplo. Não sei se me engano, mas o autor que você resenhou parece estar se inspirando na compreensão formalista-russa de gênero e na taxonomia do teórico e crítico literário canadense Northrop Frye. Tomara que eu esteja certa, do contrário, isso anularia todo o restante do meu comentário, que se baseia no cotejo dessa teoria com o excelente Anatomy of Criticism, de Frye. Ao contrário da maioria das obras dedicadas a taxonomias literárias, Os quatro ensaios de Anatomy têm a vantagem de serem polêmicos, estimulantes e cheios de intuições brilhantes. No primeiro ensaio, Frye extrai de Aristóteles a divisão da obra literária em mythos (enredo), ethos (caracterização) e dianoia (ideia). No que se refere aos mythoi, Frye distingue três: tragédia, comédia e temática. No que se refere aos ethoi, Frye distingue cinco: mítico, romântico, alto-mimético, baixo-mimético e irônico. Cada um desses cinco ethoi corresponde não apenas a certa proposta artística, mas também a certas épocas literárias específicas. A combinação entre os três mythoi e os cinco ethoi resultam em quinze possíveis "modos literários", a partir dos quais Frye tentará uma taxonomia mais ampla. Creio que nisso consiste a contribuição do cotejo da obra desse autor que você resenhou com a de Frye. Primeiro: Será que a narrativa histórica não poderia ser também ela dividida em mythos, ethos e dianoia? (cont.)

Linda Cavalcanti Lobato disse...

(cont.) Quanto aos mythoi, poderiam ser aqueles que White elencou, junto com alguns outros. (Não vejo porque não ver, por exemplo, alguns relatos de Políbio e Maquiavel como tendo a estrutura da fábula, pois, no espírito da historia magistra vitae, as personagens e histórias do passado não valem por si mesmas, e sim como representações arquetípicas de quaisquer personagens e histórias semelhantes. E não vejo por que não atribuir a estrutura do épico a, por exemplo, boa parte dos relatos históricos das guerras ou da afirmação dos direitos humanos. Acredito que White opte pela restrição aos quatro tipos de enredo devido ao argumento que Frye usa no terceiro ensaio, apontando para a estrutura cíclica e arquetípica dos quatro mythoi, comparando-os às estações do ano e às fases da vida. Mas essa analogia em Frye se justifica pela sucessão dos ethoi, o que não sei se está presente em White.)

Já quanto aos ethoi, poderiam ser os de Frye: mítico, romântico, alto-mimético, baixo-mimético e irônico. Dando um exemplo, Frye explica que, no tocante à Tragédia (que, para ele, fala da separação do heroi em relação à sociedade, seja na forma de sacrifício, de punição, de loucura ou de morte), a tragédia mítica fala da separação ou morte dos deuses; a tragédia romântica, dos herois; a tragédia alto-mimética, dos homens nobres; a tragédia baixo-mimética, de homens comuns; e a tragédia irônica, de homens vis e fracos (ironia sobre o heroi) ou de homens admiráveis nas mãos de uma sociedade corrompida (ironia sobre seu entorno). (cont.)

Linda Cavalcanti Lobato disse...

(cont.) Se aplicarmos o mesmo raciocínio à História, veremos por que ela se revela, em primeiro lugar, como história dos deuses (momento mítico) e depois, sucessivamente, como história dos heróis (momento biográfico), história dos grandes homens (toda a historiografia clássica), história dos homens comuns (dos Analles em diante) e, finalmente, com história dos homens vis e fracos (que é o ethos atual). Isso seria só uma sugestão de como usar a teoria dos ethoi de Frye para enriquecer a discussão da teoria dos mythoi de White.

E sem esquecer dianoia (Aristóteles dizia que mythos era a imitação verbal da ação e dianoia a imitação verbal do pensamento, sendo ethos composto dos dois, visto que a caracterização da ação depende de que pensamento ela se presta a expressar) que é o telos, explícito ou implícito, da obra inteira. Seria, talvez, a mensagem ou lição do historiador (aquela que ele passa, quer saiba e queira, quer não não saiba ou não queira) com seu relato. De qualquer forma, acho que uma teoria tão aristotélica como a dos mythoi não pode estar completa sem uma relação claramente estabelecida com os ethoi e as dianoiai.

Gostaria de falar também sobre os três últimos elementos que completam a divisão aristotélica e que Frye aborda no quarto e último ensaio de Anatomy: melos (o aspecto sonoro-musical), lexis (o texto escrito) e opsis (o aspecto imagético-visual). Será que não seria útil também tratar dos elementos melódicos (como métrica, rima, aliteração, ritmo, passo etc.), léxicos (como níveis de linguagem, zonas semânticas, tipos de vocabulário etc.) e óticos (como ênfases descritivas, narrativas e dissertativas, como uso de metáforas, metonímias e sinédoques imagéticas, como estruturação do próprio enredo segundo símiles e analogias implícitas etc.) do texto historiográfico?

Espero, sinceramente, que continuemos essa conversa e que eu tenha ajudado com alguma contribuição e sugestão. Fico muito contente que você esteja se dedicando a esses assuntos e contribuindo para a causa da prova da onipresença da poética, rsrs. Bjs

Fernanda disse...

Eu, de minha parte, voto para que a Linda publique seu comentário como uma postagem em resposta à postagem da Débora!

Débora Aymoré disse...

Seria muito bom relamente, Fernanda. Linda, li os seus comentários, porém estou com um probleminha de tempo para respondê-lo. Por favor, não considere isto como falta de interesse. Responderei aos seus comentários o mais breve possível. Beijo.